A Morte


Deves saber que a morte dura alguns segundos para os familiares e amigos que dão assistência ao moribundo... Para este último, a viagem dura várias vidas, que ele atravessa em tempo real. Nessas vidas, ele pode reencontrar aqueles que ama em formas diferentes. Saberá reconhecê-los. Ele vai morrer muitas vezes ainda, elevar-se sempre até essa misteriosa Clara-luz que eles chamam Deus, e que é a substância vazia e eterna do universo.

Desconfia dos pensamentos negativos, pois eles se atracam ao corpo e ao espírito. São os primeiros sintomas do mal. Treina-te a pensar positivamente, mesmo nas provações da vida.

Não deixes a doença conquistar terreno. Instala pensamentos felizes à tua volta, como outras tantas linhas defensivas. A chegada da doença coincide sempre com uma falta de confiança, um relaxamento do espírito. Compraz-se na angústia, na dúvida e na confusão. Não a deixes governar a tua alma e o teu coração. Considera-a como um inimigo exterior, dissimulado e astuto, que avança encapotado, aproveitando a escuridão para agir.

A doença não resiste às muito altas luzes do espírito. Cultiva o sentimento de amor, de beleza, de compaixão, para purificar o teu espírito e o teu corpo, reparar o que foi quebrado, eliminar as forças negativas, e trazer de novo a harmonia.

Se queres viver feliz, aprende a meditar sobre a tua própria morte. Ela não é o fim da vida, mas o começo de um novo nascimento. A morte é uma porta.

A morte não é o fim da vida. Ela abre-se em nós a cada instante. É em nós que ela tem as suas raízes. Utiliza a meditação para a encontrares e fazeres dela a tua amiga.

A doença ergue-se no caminho, como uma falésia escarpada, um cimo que é preciso vencer. Não fiques passivo. Há em ti forças novas, inesgotáveis. Para ajudar a cura, pede o socorro do teu próprio espírito, imenso, infinito, fonte de toda a sabedoria.
Os pensamentos negativos, o medo, a dúvida, são aliados tácticos da doença. Aprende a combatê-los. Opõe-lhes a confiança, a certeza e o amor da vida. Não esqueças nunca que o amor é o curandeiro supremo.

Aborda a doença com lucidez, apesar da tua inquietação, e ela ensinar-te-á muito acerca de ti próprio.

Se sofres, medita profundamente sobre o sofrimento. Localiza-o. Tenta senti-lo no exterior do teu corpo deslocando a tua consciência. Torna-te o espectador atento e desprendido do jogo, como se aquilo que sofre não te pertencesse — depois desliga-te dele.

Considera o sofrimento como uma mensagem inscrita na tua carne. Ele não tem outro objectivo, outra intenção senão a tua perfeição, a tua realização pessoal. Aprende a ler, depois deita fora o livro. Atrás do sofrimento está a vida radiosa, cintilante, sem a qual não há liberdade.

Pega na mão do moribundo, não o deixes só na hora da morte, acompanha-o na sua difícil travessia.

O segredo da doença: aproveita uma falta de vigilância, o obscurecimento do espírito, a ausência de luz, para invadir o corpo. Compenetra-te de que cada mau pensamento enfraquece a determinação, entrava a vontade, abre uma brecha, e prepara o terreno para a doença.

Aos moribundos, nunca é demasiado tarde para transmitir palavras de sabedoria.

O amor não repele a morte. Pede um verdadeiro dom de si próprio, uma participação fraterna na morte do outro. Falar todos os dias a uma pessoa em coma pode ajudá-la a morrer. Uma relação telepática estabelece-se então, de coração para coração, que permite vencer as dificuldades da passagem.

Nunca é tarde para aprender a morrer.

Não observes a morte através da lupa deformadora das crenças, das obsessões, das superstições. É-nos difícil compreender que no momento da morte surgimos no Instante, e que não há outro instante no mundo. Pela morte saímos do tempo.

Aprende que não há nem começo nem fim do mundo. Não há evolução nem progressão através do tempo. Esta é uma maneira errada de ver. O universo é instantâneo. Nunca deixa o instante. Nós nunca deixamos o instante.

A morte leva-nos de novo para o Presente eterno do mundo, que os Tibetanos chamam Clara-luz, para o começo que não acaba. O que é que não muda e que a morte reencontra? A luz do Ser, o sol da Origem. Enquanto não aceitares a morte, ficarás incompleto, privado da tua natureza profunda, da tua consciência eterna. O medo de viver e o medo de morrer tornam a felicidade impossível.

Na morte, estamos no coração de nós próprios, mas, ao mesmo tempo — e é a mesma coisa —, estamos no coração do universo.

Liberta-te das superstições que obstruem o teu espírito. Quando se morre, não se regressa no corpo de um animal para aí ficar sujeito a um pesado castigo, nem no de um sábio ou de um vigilante, se tivermos sido virtuosos.

Não tenhas medo da morte. Caçadores da morte, sabemos onde devemos encontrá-la. No instante. No coração do instante. No seu centro. Como a pérola de ouro que os antigos situavam no centro do mundo. O seu lugar é em ti. Não o encontrarás em nenhum outro sítio senão em ti.

A morte não existe. Vencer a morte, é mudar de mundo e pôr-se a viajar.

Medita nesta visão: tudo se passa no mesmo lugar, no mesmo tempo, no mesmo instante — o nascimento e a morte.

Acolhe a morte como uma amiga, e a vida aparecer-te-á em todo o seu esplendor. Todos os teus medos desaparecerão. Poderás daí em diante viver sem receio nem agressividade, dormir como uma criança, libertar-te das tensões do mundo, abrir-te á alegria, e chegar aos planos superiores de existência.

Os mestres da sabedoria ensinam que a morte e o nascimento são uma porta única, que nunca se fecha. A morte, tal como a concebemos, não existe.

Todas as fases sucessivas da morte são as fases do começo da vida. Eis a razão pela qual o traumatismo da morte está irremediavelmente ligado ao traumatismo do nascimento, e pela qual os místicos e os vigilantes falam dum "novo nascimento". Pressentem que, no instante da morte, a origem e o fim se confundem.

De onde vimos? Se soubermos a resposta, saberemos para onde vamos, no termo final da existência.

Aprende que o estado divino não é somente o do pós-morte... é também o de antes do nascimento. O mesmo. A mesma presença aberta, nunca desaparecida, que trazemos em nós sob a forma de vertigem, de abismo.

Força do acordar: na morte, alguns esquecem, e outros lembram-se.

Em cada dia, conta com a morte, a fim de que, quando o seu tempo vier, morras em paz. Aprende a morrer em pensamento todos os dias, e já não terás receio de morrer.

Não esperes pelo momento da morte para aprender a conhecê-la. Será demasiado tarde.

O território da morte não está depois da vida. Está simultaneamente antes e depois, em cima e em baixo. Aprende a ver de outra maneira.

A morte está separada da vida. Considera a tua vida e a morte como o pleno e o vazio de um mesmo objecto.

Não existe o mundo dos vivos e, na outra margem, o mundo dos mortos. Trata-se de um mesmo estado do ser, esquecido, ao qual já não temos acesso. A morte leva-nos de novo ao Presente eterno do mundo, ao seu começo que não acaba.

A morte envia-te sinais — sonhos, obsessões, encontros, visões. Aprende a decifrá-los. É assim que ela se faz conhecer. Habitua-te à morte, e a amargura tornar-se-á doçura.

O que é que não muda, e que a morte reencontra? A luz do Ser — a da Origem.

Por: Dugpa Rinpochê
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...