A Amizade


Escolhe os teus amigos pela qualidade das suas almas, mesmo que eles não partilhem as tuas aspirações, os teus projectos. Não fiques sozinho. Precisas de uma família humana maior, para abrir o teu coração e libertar-te. Considera-os como irmãos e irmãs, com os quais partilhas um segredo.

A amizade permite avançar mais depressa na via da Libertação. Amigos que se conhecem bem olham uns para os outros e avaliam-se no mesmo espelho, sem nunca deixar de se amar. Um é o espelho fiel do outro.

Fica à escuta dos teus amigos, atento, disponível, como deve estar um irmão, um confidente - então eles formarão à tua volta um círculo mágico, um mandala protector.

Os verdadeiros amigos não se embaraçam de palavras inúteis. Podem comunicar por silêncios, sonhos premonitórios, intuições. É a luz do coração que os junta.

Aquele que toma consciência da amizade deixa de estar só. Torna-se no outro, e tece com ele uma rede de trocas subtis. Não procura modificar, nem fazer partilhar os seus gostos, os seus desejos. Ainda não. Contenta-se em ser. Permanece à beira do amigo como o eremita à beira do lago. Reencontra a sua própria imagem, no mistério do outro.

A amizade é um refúgio, uma comunidade sagrada, fraterna. É um dos "refúgios preciosos" de que falam os diferentes Budas. No tumulto do mundo moderno, o homem e a mulher devem encontrar refúgio. Quando se encontrou refúgio, os problemas desaparecem como um vôo de pássaros perturbados pela pedra de uma fisga. Perdem o seu peso, e põem-se a dançar.
Precisarias da força ascética do eremita, do mestre de sabedoria, para te libertar a ti próprio da cegueira e da ilusão. Hoje, o homem moderno não pode fazer nada sem a ajuda dos outros. Não vive nas solidões do Tibete, fora do mundo, protegido dos profanos pelo recinto sagrado do mosteiro. É o diálogo, a partilha, a reciprocidade que nos libertam, e nos trazem de novo à nascente Única, comum a todos os seres.

A amizade permite romper o círculo, sair de si e ir ao encontro do outro. É um acto de libertação que ilumina a parte mais bela de nós próprios. Ultrapassa os egoísmos e as friezas. Deves encarar o encontro entre dois amigos como um milagre no caminho, de uma maneira livre, desinteressada, despojada de inveja e do desejo de posse. Então, a amizade tornar-se-á uma experiência interior.
Indo ter com os outros, descobres-te a ti próprio. Tornas-te vulnerável, sem protecção. É nessa altura que o coração começa a brilhar.

A amizade faz nascer novos sóis. Ela celebra a grande bondade do universo, a sua plenitude e a sua alegria constante.

Não hesites em confiar aos teus amigos os teus sonhos, os teus desejos, as tuas hesitações, a fim de os tornar visíveis e de os ultrapassar. Não há amizade sem esforço, nem combate interior.
Considera a amizade como uma cerimónia feliz, uma dança, uma festa em que as diferenças não se combatem, não se aniquilam. As personalidades brilham com o mesmo fogo, sem perder a sua particularidade, a sua identidade.

Aprende a viver em paz com os teus amigos, a ultrapassar as futilidades, os problemas de amor-próprio que geram os conflitos, e que vêm dos teus medos, das tuas angústias. Considera a amizade como a parte secreta de ti próprio, ela esclarecer-te-á sobre o teu próprio espírito.
A amizade é como o perfume das flores. Derrama o seu aroma sobre aquele que está em sua presença. Não procures cortá-la, desenraizá-la, para levar ciosamente para a tua casa. Farias com que morresse.

O amigo vem quando precisas dele, ou deixa-te debater com os teus problemas e os teus sofrimentos? Não cultives essa exigência egoísta, tresloucada, que não é senão um capricho passional. O amigo só virá ter contigo se tu souberes ir ter com ele.

A amizade não se avalia, não se mede. Deixa-a viver livremente, como o vento, como a chama, e nunca mais a perderás.

O amigo não é o supremo curandeiro, o salvador todo-poderoso, que possui a chave da felicidade. Ele não é senão o reflexo enriquecido de ti próprio. Traz-te de novo o que perdeste.

Por: Dugpa Rinpochê
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